O som das águas lentas

o som das águas lentas III

Lúcida alvura na cavidade do tempo
onde os muros se erguem pedra a pedra
entre as minúcias das luzes e dos limos,
nesta lenta inclinação fluvial,
que resplandecem na alta cúpula
daquela figura vestígios de sombra.

No castelo já não se prolongam
pequenas glórias que consumiam a geografia
das pátrias vencidas.

O azul continua no fundo da alegria
criando cardos no ofício da paisagem,
transparentes e ainda lentos,
sem a idade obscura do vazio.

Os ramos oscilam no rigor súbito do rio
e os muros deixam de crescer
no destino púdico dos olhos,
que não penetraram no mar;
no cheiro das clorofilas
onde a luz do orvalho projecta
novas sílabas no prodígio dos homens:
dos homens vencidos do Minho e da Galiza.

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XVI

Pouco sabemos da agilidade do granito
partindo das delicadas rochas do Minho
ser eterno nas linhas que perpetuam um espaço
onde a luz transita com harmonia
a lentidão que ilumina minúcias lisas
tão puras, sossegadas e simultãneas
que fazem do cimo um túmulo aberto
para consumir a combustão dos ciclos.

A solidão do mundo em mudança
não te permite crescer por cima da folhagem
porque és dum tempo cinzento
extraviado no silêncio das lanças
ou na profusão de qualquer recato.

Bem hajas estar vertical em cada têmpora,
porque o fulgor das coisas te desvelam
mas não precisas de mais palavras,
de mais enigmas para continuar em equilíbrio
neste reino de gente antiga,
modelada pela obscura angústia
que se prolonga na melodia do tempo.

Quase queria possuir-te e abrir janelas,
pôr-te vidros para segregar a história
que impuseram no comum desta Terra.
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Titulo: O SOM DAS ÁGUAS LENTAS
Autor: Xosé Lois García
Data de Edición: 1999
Edita: CAMPO DAS LETRAS-Edidores, S.A